O adolescente contemporâneo tem tido dificuldade de construir sua identidade por falta de modelos e valores definidos na nossa sociedade. O “pode tudo” que vivemos hoje não os ajuda nesta busca - que por si só já é complexa.
Uma breve reconstituição histórica
As concepções e práticas da Orientação Profissional partiram de um trabalho metodológico, no qual se utilizavam testes de aptidões (a fim de descobrir as vocações de cada um e então encaminhar o jovem para as profissões que exigiam tais vocações) para trabalhos nos quais busca-se dar condições para o jovem se re-conhecer e então dar significado à sua realidade e fazer suas escolhas de vida. O precursor dessa revolução foi o psicólogo Rodolfo Bohoslavsky, no final da década de 70.
Segundo esse autor, o adolescente tem condições de enfrentar seus conflitos e com isso re-significar sua realidade. Os interesses não são inatos e as carreiras requerem potencialidades que não são específicas nem imutáveis. O autor vê o adolescente como sujeito de suas escolhas e crê que a escolha do futuro lhe pertence. Ao psicólogo não cabe um papel diretivo deste processo.
Sobre os testes, comumentemente empregados como técnica de orientação profissional no modelo anterior, Bohoslavsky afirma que o problema não é o uso de testes por si só, mas a crença que o orientador vocacional precisa fazer diagnósticos e ser capaz de traçar um perfil do jovem, podendo lhe dizer para qual profissão ele “serve”, em qual profissão ele “se encaixa”.
Cabe ao psicólogo que trabalha com orientação vocacional esclarecer as representações dos mundos interno e externo que por ventura possam estar obstruindo o processo de escolha autônomo. Um trabalho de orientação vocacional tem por objetivo o futuro, a tomada de consciência e a autonomia de decisões. A função do psicólogo não é tranqüilizar o adolescente, mas ajudá-lo a pensar.
Os testes de orientação vocacional usados pela TransformAção são testes que revelam aspectos da personalidade do sujeito. Eles são um recurso, não a técnica em si. "A 'tomada de consciência', que é imprescindível para uma boa escolha, não dependerá da informação obtida pelos testes, mas da validade, aceitação e elaboração das interpretações que o psicólogo formule ao entrevistado sobre seu comportamento, durante o processo de orientação" (Bohoslavsky, 1977, pág. 93).
A informação profissional, por sua vez, é fundamental para um bom processo de tomada de decisão - e a grande carência de muitos jovens. A informação profissional inserida num processo de orientação vocacional permite que o vestibulando compreenda não apenas o que as ocupações são, mas o que as ocupações representam para ele próprio. Estas compreensões levam a uma escolha pessoal e responsável. Algumas vezes, o grau de distorções presentes nas informações que o adolescente tem sobre as profissões pode influir negativamente na escolha.
O contexto atual
Outros profissionais, como Rosane S. Levenfus, trouxeram contribuições mais recentes à Orientação Vocacional. Essa autora enfatiza que a escolha de uma carreira implica num saber de si mesmo e do mundo e que o jovem que escolhe deve ser co-autor de seu processo.
Um dos aspectos a se dar luz são os sonhos e desejos inconscientes e suas interferências no processo de escolha profissional. É preciso que o jovem identifique o estilo de vida que ele imagina ter no futuro, como ele gostaria de ser no futuro e outros aspectos projetivos a fim de aproximá-lo de seus ideais conscientes e inconscientes que tanto influenciam sua escolha.
A questão do gênero e sua influência na escolha profissional é também discutida por Levenfus (1997) a partir do princípio que as noções de homem e mulher, masculino e feminino são historicamente construídas. A autora aponta que, como na nossa cultura as mulheres são criadas para manter a afetividade dos relacionamentos familiares, elas tendem a escolher profissões que valorizem este lado afetivo, o cuidado com o outro e a interdependência. Paralelamente, são desencorajadas desde a infância a escolher profissões que exigem competências restritas aos homens. Por outro lado, a imagem de machismo e virilidade imposta aos homens pode ser mutiladora de seu processo de escolha. Eles são encorajados desde sempre a buscar educação de nível superior, procurar realização profissional, serem competitivos, independentes, ambiciosos e controlar as expressões de afeto.
Sobre a identificação dos jovens com a família no momento da escolha, Andrade (in Levenfus, 1997) aponta que uma escolha baseada numa identificação não é necessariamente uma má escolha, caso tenha sido feita com autonomia e consciência dos motivos que deram origem à identificação. “A liberdade de escolha e de elaboração de um projeto próprio de carreira depende muito mais do conhecimento das influências recebidas do que da ausência delas“ (pág. 134).
Gerações passadas e contemporâneas tem influência na vivência do jovem. Compreender sua própria história é fundamental para a escolha da profissão pois permite ao sujeito prever seu futuro a partir de um contexto precisamente definido, no qual ele está situado. No blog da TransformAção sugerimos e ensinamos a fazer atividades que auxiliam nessas identificações, como o Genograma Familiar e a Autobiografia.
Levenfus (1997) também chama a atenção para o sentimento de dúvida diante de uma escolha. Para ela, sentir dúvida é sinal de maturidade pois pressupõe a capacidade de suportar a ambivalência da escolha.
Há dois tipos de situações comumentemente vividas pelos vestibulandos: a idealização de uma profissão e o mito da vocação. No primeiro caso, o adolescente não sente dúvidas pois escolheu uma profissão “ideal”. Mas, peraí! Não pode ser ideal pois não existe a profissão ideal. Porém, como o adolescente percebe apenas as qualidades e despreza as características que desvaloriza nesta profissão, sente-a como se fosse ideal.
No segundo caso, o mito da vocação, os jovens imaginam que, se não escolherem a profissão para a qual “foram feitos”, para a qual têm sua verdadeira vocação, ficarão infelizes para sempre. Procuram orientação profissional em busca de um profissional que lhes indique qual é sua verdadeira vocação, pois não a estão encontrando sozinhos. Este peso gera muitas dúvidas.
A Perspectiva Sócio-Histórica
Elaborada por Bock, S. (2002), essa perspectiva tem o intuito de superar a dicotomia entre indivíduo e sociedade presente nas principais classificações de orientação profissional. Essa perspectiva compreende a relação indivíduo – sociedade de forma dialética, isto é, o indivíduo é ator e ao mesmo tempo autor de sua individualidade.
No âmbito específico da orientação profissional, a teoria defendida por Bock entende que as profissões as ocupações não são imutáveis, e portanto não é possível defini-las por meio que um perfil do profissional que a executa. O processo de orientação profissional, nesta perspectiva, é um conjunto de intervenções que visam a apropriação por parte do sujeito dos determinantes de sua escolha.
Assim como Bohoslavsky, Bock, S. (2002) acredita que a pessoa mobiliza uma imagem construída a partir de suas vivências ao pensar em uma profissão. Ou seja, há um modelo internalizado das profissões que afasta ou aproxima o jovem de determinada ocupação. Para o autor, o ponto de partida da escolha profissional é exatamente esta imagem construída.
“As pessoas constroem e lidam com a cara da profissão (termo que se refere à imagem que a pessoa tem de cada profissão). A cara é o resultado do contato direto ou não que ela teve com a área profissional. Esta cara não é verdadeira nem falsa (...). É interessante perceber que estas caras são construídas na interiorização e singularização do vivido, por isso são diferentes para cada pessoa” (Bock, S., 2002, pág. 81).
Sobre o papel do orientador, Bock, S. (2002) insiste em desmistificar a idéia de diagnóstico e prognóstico, que serão ou não aceitos pelo orientando. Segundo ele, a orientação profissional deve dar condições para que a própria pessoa reflita e decida, compreendendo da maneira mais ampla o possível as determinações de sua escolha.
Ou seja, a dúvida não deve ser eliminada com a decisão.
Algumas incertezas são necessárias para a evolução do ser. “Encontrar uma resposta e dar a ela o caráter de verdade absoluta e irrevogável é utilizar uma defesa paralisante, que interrompe o processo de evolução, que leva o homem a não mais pensar, não questionar e, desta forma, a não mais crescer” (Levenfus, 1997, pág. 193).
A orientação profissional promove saúde, desenvolvimento, bem-estar e felicidade.