Conforme prometido, apresento hoje aquilo que, na minha concepção, diferencia a adolescência do início da vida adulta. Esta concepção foi desenvolvida ao longo da minha trajetória profissional.
Tal qual mencionado nas partes I e II deste artigo, em linhas gerais a adolescência pode ser definida como a fase na qual os interesses da criança deslocam-se da família para o mundo externo, e ela começa a questionar os hábitos, valores e costumes da sua família. O grupo social (amigos) torna-se seu maior aliado. O adulto-jovem, por sua vez, é capaz de reintegrar aquilo que ele rejeitou na adolescência: os valores e costumes de sua família. Neste período o jovem estabelece objetivos de vida e escolhe emocionalmente aquilo que levará da família de origem e das amizades, aquilo que deixará para trás e aquilo que irá criar sozinho.
Antes de aprofundarmos estas definições, porém, é importante salientar que faço referência a seres humanos e portanto nenhuma generalização universal é real. Há inúmeras diferenças entre cada um e todos os seres humanos, o que nos torna individuais e únicos. As concepções apresentadas aqui dizem respeito às características principais, ou mais marcantes, de cada grupo social nos dois momentos de vida analisados na contemporaneidade. Nem todos os indivíduos apresentam as mesmas características da mesma forma.
Do ponto de vista da formação da identidade, há um desenvolvimento que é natural, inerente ao ser humano. Isso significa que, independente das experiências e ações externas, todo o ser humano vai crescer e vai, de uma forma ou de outra, tornar-se adulto. A questão está no fato de que nem sempre esse caminhar se dá de maneira saudável ou tranqüila. E aí entra o psicoterapeuta, que pode ajudar o adolescente ou o jovem adulto a conquistar uma identidade madura e segura de forma mais tranqüila, desenvolvendo de maneira mais apropriada seus sentimentos e emoções e tornando-se capaz de perceber a si mesmo e aos outros de forma plena.
Penso que a principal característica do adolescente, do ponto de vista da formação da identidade, é a identificação com os amigos. Num mesmo grupo, os adolescentes colocam-se como todos iguais, pensam de maneira muito semelhante, sentem da mesma forma e têm os mesmos valores. É comum vivenciarem uma identificação total entre eles, em oposição aos valores e sentimentos familiares, os quais tendem a ser rechaçados nessa fase da vida.
Compreendo a união por semelhança com outros jovens como um recurso do adolescente para se desvencilhar da filosofia de sua família, algo que é parte deste processo de busca de uma identidade menos infantil. Esta fase, difícil para muitos pais mas necessária para o amadurecimento que considero saudável, contribui para a percepção e o reconhecimento de si mesmo do adolescente. O questionamento dos poderes e normas de sua família pode ajudar o jovem a traçar seu próprio caminho, um caminho autônomo.
Ou seja, minha concepção de saúde na adolescência (reiterando que nem todos os indivíduos apresentam as mesmas características da mesma forma) é a de um jovem que afrouxou os fortes vínculos identificatórios com sua família de origem e rejeita, nesse período, os valores e costumes que recebeu. Em paralelo, este jovem tende a se identificar fortemente com um grupo social, em geral de jovens da mesma identidade, com os quais compartilha sentimentos, pensamentos, hábitos e valores. Nesse momento da vida, é a identificação com os amigos que lhe dá referências de si.
O adulto-jovem, por sua vez, abre-se para uma reaproximação dessa família, aceitando suas características tais quais elas são e sendo capaz de integrar em si, na sua identidade, suas qualidades. Nesta etapa da vida ele refaz as relações emocionais com pais e irmãos, restabelecendo a amizade em detrimento do conflito, típico da adolescência.
No caso dos jovens adultos, o afrouxar do fortes laços de identificação com os amigos é o que é necessário para sua evolução saudável. Isso não quer dizer que o adulto-jovem deixe de ter amigos. Ao contrário. Mas as relações de amizade deixam de ser de identificação total, como na adolescência. Há amizade, há trocas, há identificação, mas não mais a necessidade de ser igual aos amigos. A identidade do jovem adulto se estrutura se diferenciando dos demais, não havendo necessidade de uma relação fusionada nem com a família (caso da criança) nem com os amigos (caso do adolescente).
O adulto-jovem se prepara para formar outro núcleo familiar, o qual tende a integrar valores, hábitos e costumes dos seus amigos e dos seus pais. O estabelecimento de relacionamentos afetivos duradouros intensifica esse processo.
Assim, na minha concepção, a passagem para a vida adulta - ou o que transforma um adolescente em adulto-jovem e o faz deixar de ser adolescente - é a constatação de si como distinto dos amigos, sem que isso afete sua identidade. Gostar de coisas diferentes do grande amigo, não apreciar todos os programas que a turma costuma fazer ou dar valor para determinado ritual religioso que o grupo critica não abalam a identidade do adulto-jovem tal qual a do adolescente, para quem tudo tende a ser igual ao seu grupo social. O adulto costuma se identificar com os amigos em muitas coisas, mas se percebe e se aceita como diferente deles em muitas outras também.
O maior salto na conquista de uma identidade autônoma é o momento no qual um jovem tende a estar seguro de si, tendo incorporado valores familiares e dos amigos, mas tendo também coisas diferentes deles. Não há mais a necessidade fusional com o outro como referencial pessoal de existência. Considero essa percepção de si, com semelhanças e diferenças dos demais, a principal característica do adulto-jovem e a tenho como referência de saúde nessa etapa da vida. O que caracteriza um adulto-jovem saudável é o conhecimento e respeito por quem ele está sendo, ao mesmo tempo semelhante e distinto das demais pessoas com as quais se relaciona.
Na minha concepção, portanto, o que diferencia o adulto-jovem do adolescente é que aquele é capaz de se perceber e se respeitar, tendo afrouxado a identificação fusional com os amigos sem que isso afete o indivíduo que ele é. Em contrapartida, a cobrança (interna e/ou externa) para que todos os membros sejam iguais, tal qual nos grupos adolescentes, é considerada um sintoma de doença nos grupos de adulto-jovem.